Quando falamos no sertão logo pensamos em uma condição forte e voos longos.
É verdade, é justamente isso. O respeito é fundamental para voar no sertão, mas mais do que respeito sabedoria e conhecimento.
Os pilotos sempre vão atrás de grandes recordes e esquecem que é preciso saber voar em condições extremas. Mesmo essas que auxiliam os pilotos.
Vou contar uma historinha que passei no cerrado e vocês vão captar a mensagem sem se ofender.
Uma vez em Jaraguá GO passei uma situação impressionante, que também é um lugar extremamente forte, dizem ser a escola para o sertão, mas confesso que as vezes acho até mais perigoso.
Um dia muito turbulento e muito forte, cheinho de dusts, eu estava lá, prontinha para realizar um sonho e meu sonho em Jaraguá era chegar em Goiás Velho, cidade linda e cheia de atrativos turístico, bem rústica, então o foco era fazer os 100km. Porque é praticamente a conta exata.
Neste dia a condição estava tão forte que logo ali atrás da rampa com mais três pilotos chacoalhando a beça eu já pensava em pousar, não tinha nem 10km de voo e nem chance de pousar, um horário crítico para esta escolha, então neste momento tentei ficar o mais alto possível, mas estava realmente muito difícil, as térmicas estava muito turbulentas, bicudas e pequenas.
Decolamos naquela hora que não é para se quer pensar em pousar, no horário mais quente, seria muito perigoso pousar, não deixei de tentar porque o voo também estava perigoso. Cada hora que ia pro pouso uma térmica forte, e sabemos que com essas coisas não brigamos, apenas esperamos a hora certeiram olhando cadê aquela sombra gigante pra esfriar tudo ou pra dar um gatilho maior ainda kkk.
No meio dessas tentativas de pouso seguro avistei dois pivôs enormes e um deles sombreado, pensei: vai ser agora, peguei a descendente e fui pro pouso, já com os pés do lado de fora da carenagem, vendo o tratorista sorrir pra mim, bummmmmm eu estava a 58m do chão aproximadamente e uma térmica muito forte veio e não me deu tempo de acabar de chegar, não tive alternativa, acabei subindo novamente para minha própria segurança, pois forçar pouso nessa situação, geralmente é onde a M... acontece. Na hora que comecei a subir ainda gritei um tchau pro tratorista... este que não deve ter entendido nada mesmo rs.
Voltamos pro jogo e confesso não é tão confortável quando queremos realmente colocar os pés no chão.
No final das contas eu realmente consegui pousar com segurança, no km 65 e com um vento muito forte. Esse dia entendi o que é voar no sertão, você decola, pega a condição e vai embora, ela mesmo te repele do chão, a condição ajuda e muito aos pilotos não experientes nestes casos. E o piloto acaba acreditando que voa muito bem e que está preparado para esse tipo de voo. Um placebo.
Mas ano após ano, vejo tantos pilotos que não conseguem fazer 100km na própria casa e vão pro sertão e logo fazem os 300km, neste momento ele pensa que é o melhor piloto do mundo, mas convenhamos, isso não é verdade e pior ainda, ele sabe disso, mas se engana afogado ao ego. Não passa nem perto de ser o melhor e ainda se coloca em um grande risco.
Sertão: As térmicas são fortes, mas são gigantes, a base é alta e um dos poucos obstáculos no pouso é a jurema, o pouso de ré, e um grande dust, claro se você souber o que está fazendo, pois muitos pilotos perdem a condição e pousam na hora errada.
Alguns arriscam tanto que vão no limite do limite e acabam na bendita jurema, cheinha de espinhos, apenas para fazer mais alguns metrinhos...o que você acha dessa ambição? Chegam a rasgar equipamentos para alcançar uma marca melhor.
E o que ganham com isso? Medo, ganham muito medo, esse tipo de conquista não tem como trazer uma experiência boa, mas uma memória de medo pela falta de conhecimento que fica amarrada no seu subconsciente e você nunca entende no futuro qual é o seu problema ou o seu trauma, porque é difícil chegar nele, porque lembrança não vem do pavor que passou em uma situação de risco, na realidade a lembrança vem da conquista, o resto se deleta.
Decolar no sertão, é aquele tipo de decisão que é decolar para voar horas e horas e horas, se manter no ar. Ai vem o bom piloto, condição física, condição mental, foco, concentração, conquistas e experiência. Este sim está realmente preparado para tudo a qualquer momento.
Mas quando o piloto não entende nada da condição , está voando todos os dias porque só tem 5 dias no sertão e tem que aproveitar ao máximo, sempre pousa cedo, vai ficando cansado, o resgate não é fácil, o sertão é quente, começa a ficar bem difícil dia após dia, porque o piloto quer voar, mas não consegue ver o seu cansaço físico, emocional e mental onde realmente é necessário esse relaxamento para as tomadas de decisões durante o voo. O estresse das decolagens, pousos, locais sem pouso...tudo isso afeta o psicológico sem vermos. As vezes não dá tempo de recarregar para o dia seguinte, mas com um tempo limitado...acabam acontecendo os riscos.
Nesses casos chega um dia o piloto fala: "hoje faço meus kms de qualquer jeito" e é justamente nessa hora que ele decide: ¨ou vai ou racha¨, que acontecem os deslizes. Justamente pelo cansaço.
No primeiro dia que voamos em Quixadá levamos uma hora e trinta para meros 20km kkkk, virou curtição, dia fraco, vento fraco, tudo sombreado, apenas divertimos e deslumbramos do visual.
Segundo dia estava tão lindo o céu, aquele céu de brigadeiro, mas infelizmente muito devagar o voo, levamos quase três horas para 68km, mas colocamos um goal e lá chegamos, tudo decidido no meio do caminho, pois é lógico que se estivesse rendendo bem, eu adoraria voar mais, mas tem hora que temos que saber ler a condição e falar: Não é hoje e aceitar isso sem insistir, porque insistir cansa.
Enfim, essa é minha opinião sobre o sertão, sempre quis falar sobre isso. As pessoas hoje buscam decolar dos mesmos lugares dos recordistas e nem sabem porque os recordistas decolam de diferentes lugares. Busquem saber mais, entendam as escolhas dos recordistas, porque as vezes o lugar dos recordistas pode não ser o melhor para você.
Para você que chegou até aqui e tem interesse em voar no sertão:
Tenha tempo para escolher os melhores e mais seguros dias pra voar;
Descanse bem, coma bem, estude as rotas, estude estude estude;
Veja se a previsão está batendo com o que está acontecendo no dia;
Tenha pilotos experientes com você, tenha seu resgate com boa comunicação sintonizado com seu voo, faça um bom briefing, pois caso tenha alguma surpresa no caminho vocês devem estar próximos;
Aprenda com o erro dos outros, porque muita gente já errou para ensinar o caminho melhor;
Não seja persistente quando as coisas não estão a seu favor, tipo decolar de qualquer jeito, tentar fazer de qualquer jeito. Ninguém consegue nada de qualquer jeito, necessita experiência.
Com amor,
Marcinha ` )( ,
2022 conhecendo a rampa novinha em folha |